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Com grandes fortunas, vêm grandes responsabilidades: o que as pessoas mais ricas do mundo estão fazendo para melhorar a sociedade?

Bilionários investem muito em filantropia, mas será que essas doações são motivadas pelo impacto social ou funcionam como estratégia para benefícios fiscais e melhoria de imagem?

Bilionários e sua falta filantropia. Imagem: Alexander Grey - Unsplash
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

Bilionários frequentemente aparecem nas manchetes por suas doações generosas e iniciativas filantrópicas. Warren Buffett, Bill Gates, Jeff Bezos e MacKenzie Scott destinam bilhões a causas como educação, saúde e meio ambiente. No entanto, por trás dos discursos de generosidade, há uma estrutura que permite que essas doações funcionem como ferramentas de poder, influência e até mesmo isenções fiscais. Em vez de serem apenas benfeitores, esses magnatas moldam o cenário econômico e político global – e, muitas vezes, perpetuam as desigualdades que dizem combater.

Bill Gates na trajetória da filantropia

Considerado um dos filantropos mais "reais" do mundo, Bill Gates consolidou sua imagem por meio da Fundação Bill & Melinda Gates, a maior entidade privada beneficente do planeta. Com mais de US$ 60 bilhões investidos em programas sociais, a fundação foca no combate a doenças infecciosas, desenvolvimento econômico e mudanças climáticas.

Recentemente, Gates deixou o conselho da Microsoft, empresa que cofundou, para "priorizar atividades filantrópicas", e a notícia foi amplamente celebrada pela mídia. O que poucos mencionam é que sua fundação nasceu em um momento crítico para sua reputação, quando enfrentava um processo antitruste por monopólio no setor de tecnologia.

Gates construiu sua fortuna de US$ 130 bilhões explorando o chamado “efeito de rede”, que consolidou a Microsoft como líder de mercado ao dificultar a concorrência e garantir monopólios.

Durante os anos 90, a empresa esmagou rivais como a Netscape, forçando fabricantes de computadores a incluir o Internet Explorer nos sistemas operacionais.

O processo legal que se seguiu expôs as táticas agressivas da Microsoft, e sua imagem ficou manchada. Foi justamente nessa época que Gates começou a investir pesadamente em filantropia – e a mudança de narrativa foi tão eficaz que hoje ele é mais lembrado como um grande doador do que como um empresário monopolista.

Outros casos

Jeff Bezos, fundador da Amazon e atualmente o terceiro homem mais rico do mundo, com uma fortuna superior a US$ 190 bilhões. Recentemente, ele anunciou a doação de US$ 10 bilhões para a criação do Bezos Earth Fund, uma iniciativa voltada para o combate às mudanças climáticas. A princípio, a doação soa como um gesto louvável, mas esconde contradições o tanto quanto curiosas.

A Amazon é uma das empresas com maior foco de carbono do planeta, operando em um modelo de negócios que incentiva o consumo desenfreado e o esgotamento de recursos naturais. Além disso, Bezos tem um histórico de redução de benefícios dos seus funcionários – como no caso da Whole Foods, que cortou assistência médica de trabalhadores de meio período para economizar quantias insignificantes em relação ao patrimônio do empresário.

Mais e mais bilionários

Warren Buffett, que acumula US$ 120 bilhões, também figura entre os maiores filantropos do mundo. Em 2024, doou US$ 1,14 bilhão em ações da Berkshire Hathaway para instituições ligadas à sua família. Desde que se comprometeu com o Giving Pledge – iniciativa que incentiva bilionários a doarem ao menos metade de sua fortuna –, Buffett já transferiu mais de US$ 50 bilhões para fundações filantrópicas.

Mas, assim como no caso de Gates e Bezos, essas doações são feitas de maneira que garantem isenções fiscais e preservam o controle do dinheiro dentro de suas próprias estruturas.

Filantropia por amor?

A filantropia bilionária, ao invés de um ato de generosidade pura, se torna uma ferramenta de poder. Como o economista Robert Reich explica, os super-ricos convertem seus ativos privados em influência pública, decidindo quais causas merecem atenção e quais não.

O resultado é um modelo antidemocrático, onde a elite financeira dita prioridades e mantém seu status de forma estratégica.

Além disso, a concentração extrema de riqueza tem efeitos diretos na crise ambiental. Um estudo aponta que o 1% mais rico da população mundial é responsável por emissões de carbono 30 vezes maiores do que os 50% mais pobres. Quanto maior a desigualdade social, maior o consumo insustentável – um fenômeno que fortalece a necessidade de mudanças estruturais, como taxação progressiva da riqueza e limites à acumulação de capital.

E no Brasil?

No Brasil, Jorge Paulo Lemann e outros empresários também investem em educação e empreendedorismo social, mas a filantropia bilionária no país é menos expressiva do que nos EUA devido às diferenças nos incentivos fiscais.

Ainda assim, o debate sobre até que ponto essas doações realmente promovem mudanças estruturais ou apenas servem para suavizar a imagem dos doadores também se aplica ao contexto nacional.

Especialistas como Thomas Piketty defendem que, em vez de depender da boa vontade dos bilionários, sociedades deveriam implementar sistemas de tributação progressivos, limitando a extrema riqueza e redistribuindo recursos de forma mais equitativa. Políticas públicas como o Green New Deal, nos Estados Unidos, buscam soluções coletivas para os problemas ambientais e sociais, sem depender de decisões individuais da elite econômica.

Enquanto isso, bilionários continuam acumulando fortunas recordes e distribuindo frações controladas de seus ganhos por meio de suas fundações. A filantropia pode sim transformar vidas – mas, quando usada como uma estratégia para evitar impostos, reforçar monopólios e moldar políticas públicas ao interesse da elite, torna-se parte do problema, e não da solução.

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