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Ninguém entendeu como músico desconhecido se tornou milionário do nada; o que o FBI descobriu foi uma das maiores fraudes da indústria musical

Um americano montou um esquema meticuloso para ganhar milhões em royalties por streamings, demonstrando que a lei ainda está defasada em relação à inteligência artificial

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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Em junho deste ano, as três maiores gravadoras de música do mundo — Sony, Warner e Universal — entraram com um pedido de indenização por danos e prejuízos contra os serviços de inteligência artificial Suno Ai e Udio. A acusação é simples: segundo as gravadoras, esses serviços copiam ilegalmente os dados de suas músicas registradas para criar novas. Nesse processo, esquivam-se de pagar direitos autorais.

A Udio se defende dizendo que seu uso do material se encaixa nos termos de “fair use” e que as músicas geradas são diferentes o suficiente para não infringir direitos autorais. Essa jornada litigiosa ainda está só no começo, mas seu resultado pode criar uma jurisprudência importante para outros casos envolvendo trabalhos artísticos e IA.

Em meio a toda essa história, desenrolou-se nos EUA outro caso que mostra o quanto a IA pode ser abusada se for usada de forma irrestrita e sem impedimentos legais, tecnológicos ou éticos. É essa história que vamos contar a seguir.

O produtor que ninguém conhecia

Michael Smith, de 52 anos, natural de Cornelius, Carolina do Norte, afirma ser músico e produtor musical. Como musicista, ele possuía apenas um pequeno catálogo de músicas próprias e, no entanto, em um curto período de tempo, já havia conseguido receber mais de US$ 10 milhões em royalties dos serviços de streaming.

Em algum momento, a indústria começou a desconfiar do cidadão e o caso chegou aos ouvidos do FBI, que iniciou uma investigação para verificar se Smith havia gerado esse dinheiro de forma legal. O que encontraram foi um dos maiores casos de fraude da história dos serviços de streaming. O homem pode pegar até 60 anos de prisão.

O desmantelamento do esquema ocorreu no dia 4 de setembro deste ano. O FBI prendeu Smith sob múltiplas acusações de crimes graves e por supostamente ter fraudado mais de US$ 10 milhões de dólares, os quais havia gerado em royalties. Para conseguir acumular esse valor, Smith utilizou centenas de milhares de músicas geradas por IA.

De acordo com a acusação, Smith criou milhares de contas de bots em plataformas como Spotify, Amazon Music e Apple Music. Em seguida, usou essas contas para “escutar” automaticamente músicas geradas por IA que ele mesmo havia colocado nas plataformas. Com esse plano, criou uma máquina que gerava até 661.440 streams de faixa por dia, uma avalanche que resultou em royalties anuais de US$ 1,2 milhão.

A acusação afirmou, no tribunal federal de Manhattan, que “esses royalties foram extraídos de um fundo de royalties que as plataformas de streaming devem reservar para os artistas que transmitem gravações de áudio que incorporam composições musicais”. Ou seja: esse dinheiro deveria estar indo para artistas reais.

Enganando o Spotify

Quando o caso foi revelado, havia algo que não se encaixava. Segundo o promotor federal Damian Williams, a fraude de Smith enganou músicos e compositores desde 2017 e durou até poucos meses atrás. Em outras palavras, o criminoso ficou brincando com o sistema por nada menos do que sete anos antes que o alarme fosse acionado. Como o alarme não soou antes?

De acordo com Christie M. Curtis, chefe do escritório do FBI em Nova York, Smith “usou funções automáticas para transmitir repetidamente a música e gerar royalties ilegais”. No entanto, antes disso, o homem supostamente precisou achar uma forma de contornar os sistemas de detecção de fraude das plataformas.

Os promotores alegam que, inicialmente (em 2017), Smith apenas fazia os streams fraudulentos de suas faixas. No entanto, as plataformas de streaming possuem mecanismos para detectar possíveis fraudes caso uma faixa em particular seja transmitida um bilhão de vezes. Quando Smith tomou conhecimento dessa informação, modificou o plano.

O que ele fez? Segundo a acusação, no ano seguinte, Smith passou a gerar a maior quantidade de músicas possível. “Precisamos arranjar UM MONTE de canções rapidamente para conseguirmos evitar as políticas antifraude que esses caras estão usando agora”, disse o acusado em mensagens privadas enviadas a dois amigos, conforme revelou a acusação.

O caso, pioneiro pelo volume da fraude, não tem apenas Smith como alvo. Também está sendo investigado o diretor executivo de uma empresa de inteligência artificial com a qual ele iniciou seu plano em 2018, assim como um promoter musical que ajudou a gerar as centenas de milhares de músicas. Além disso, parece que Smith comprou grandes quantidades de endereços de e-mail para configurar contas falsas e utilizou um serviço de VPN para "disfarçar" que estava controlando todas a partir de sua casa.

A acusação também revelou a ocasião em que o caso atraiu a atenção das autoridades. Isso ocorreu quando o homem negou ter participado de uma fraude de streaming ao ser confrontado pelo Mechanical Licensing Collective, organismo que distribui os royalties de streaming. Pouco depois, em 2023, o MLC levantou dúvidas sobre como Smith poderia gerar tanta música de forma tão rápida sem usar IA.

Aviso aos navegantes

Smith foi acusado em Nova York de lavagem de dinheiro, fraude eletrônica e conspiração para cometer fraude eletrônica e, segundo o MLC, “o caso lança luz sobre o grave problema da fraude nas reproduções online para a indústria da música”.

Como dissemos no início, ainda falta um longo caminho para que a indústria da música, hoje eminentemente digital, faça as pazes com as ferramentas de IA. O caso de Smith é um sintoma dos tempos, mas, com certeza, não será o único.

Este texto foi traduzido e adaptado do site Xataka Espanha

Imagem | PXHere, RawPixel

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