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Uma cabeça esquecida por 110 anos em um armário é a chave para a extinção do tigre da Tasmânia

  • Extinto há quase 90 anos, o tigre-da-tasmânia pode voltar à vida

  • ]O avanço mais significativo nessa tentativa ocorreu recentemente, quando uma cabeça incrivelmente bem preservada foi descoberta após passar mais de um século esquecida no fundo de um armário.

Tigre-da-tasmânia e sua volta à natureza. Imagem: Xataka
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Sofia Bedeschi

Redatora

Jornalista com mais de 5 anos de experiência no ramo digital. Entusiasta pela cultura pop, games e claro: tecnologia, principalmente com novas experiências incluídas na rotina. 

A Tasmânia é uma pequena ilha da Austrália conhecida por dois animais icônicos: o diabo-da-tasmânia (que não tem nada a ver com o personagem dos desenhos animados) e o tigre-da-tasmânia. O primeiro chama atenção por ser o maior marsupial carnívoro do mundo. Já o segundo ficou famoso por outro motivo: um marsupial de grande porte que foi declarado extinto em 1936.

Agora, uma cabeça extremamente bem preservada, descoberta no fundo de um armário, pode conter a chave para trazer o tigre-da-tasmânia de volta. No entanto, isso está longe de ser uma tarefa fácil.

Uma história triste

O tigre-da-tasmânia, também conhecido como lobo-da-tasmânia, era um marsupial impressionante, e sua aparência pode ser apreciada nos poucos registros filmados no Zoológico de Hobart, na Tasmânia. Infelizmente, ele não existe mais — e, como em tantos casos de extinção, a culpa foi, em grande parte, dos humanos.

O tigre-da-tasmânia começou a desaparecer do continente australiano antes da chegada dos europeus, mas ainda existia uma população considerável na ilha da Tasmânia. Os nativos da Austrália caçavam a espécie, mas o grande impacto veio com os colonos europeus, que começaram a culpar o animal pelas mortes de gado e passaram a oferecer recompensas por sua caça. Além disso, a introdução de cães domésticos pelos colonos e a redução das presas naturais do tigre-da-tasmânia agravaram ainda mais sua situação.

Os últimos registros da espécie incluem um exemplar capturado por um fazendeiro em 1930 e outro que morreu por negligência no Zoológico de Hobart em 1936—onde foram feitas as poucas gravações conhecidas do animal.

Trazê-lo de volta

O tigre-da-tasmânia foi oficialmente declarado extinto, mas, desde então, diversas tentativas foram feitas para trazê-lo de volta. Como? Primeiro, oferecendo recompensas milionárias para quem encontrasse um exemplar vivo (ninguém jamais conseguiu resgatar o prêmio) e, depois, através de um projeto de clonagem em 1999. O grande problema era que o material genético dos espécimes preservados estava muito degradado, tornando impossível seu uso para clonagem.

Em 2017, pesquisadores da Universidade de Melbourne retomaram o projeto e conseguiram sequenciar com sucesso o genoma do tigre-da-tasmânia, criando um mapa genético completo. O estudo revelou que a espécie possuía um sistema imunológico frágil e, caso tivesse sobrevivido, enfrentaria os mesmos desafios ecológicos que hoje ameaçam o diabo-da-tasmânia, que, por outro lado, ainda existe.

Original

A cabeça

Agora, as coisas podem mudar graças a uma descoberta inesperada: uma cabeça com tecido mole perfeitamente preservado. Como relatado pelo The Guardian, os pesquisadores do laboratório de restauração genética integrada do tigre-da-tasmânia da Universidade de Melbourne (um departamento dedicado exclusivamente ao estudo dessa espécie) acreditavam que seria impossível encontrar algo assim, mas, surpreendentemente, conseguiram.

"Era literalmente uma cabeça em um frasco com etanol. Estava na parte de trás de um armário e foi esquecida lá, sem pele, há cerca de 110 anos"—comentou Andrew Pask, líder do laboratório. Ele descreve a cena como "bastante repulsiva, uma visão macabra, pois as pessoas haviam cortado grandes pedaços", mas, além da estética, ele enfatiza que esse achado possui um potencial enorme.

Original A cabeça encontrada

"Milagre"

A cabeça foi descoberta há um ano e, desde então, a equipe tem continuado a trabalhar na decodificação do mapa genético do animal. O motivo para tanta empolgação é que o material encontrado contém sequências longas de DNA, além de moléculas longas de RNA, que são cruciais para reconstruir o genoma de uma espécie extinta — algo que Andrew Pask descreve como um milagre.

Essa descoberta também permitiu que a equipe avançasse mais rápido do que o esperado, graças a esse achado.

"Estamos mais avançados do que eu imaginava. Completamos muitas etapas que pensávamos que seriam extremamente desafiadoras e que muitos consideravam impossíveis" — afirmou Pask.

O RNA

O DNA é, sem dúvida, importante, mas o RNA foi a verdadeira surpresa para a equipe. O RNA é muito menos estável que o DNA e varia entre os tecidos, pois contém a informação necessária para que cada tecido funcione corretamente. No caso da amostra encontrada, os pesquisadores conseguiram obter informações relacionadas à nariz, olhos, língua e tecidos faciais do tigre-da-tasmânia, além de um vislumbre do funcionamento do cérebro do animal, que pode ajudar a decifrar dados sobre gosto, olfato e visão da espécie.

Manipulando a genética

Por trás de tudo isso está a Colossal, uma empresa de biotecnologia localizada no Texas, especializada em "desextinção e preservação de espécies". Não estão apenas tentando trazer o tigre-da-tasmânia de volta, mas também o dodô e o mamute lanoso. O financiamento é de 235 milhões de dólares, e eles afirmam que estão dando o maior passo nesta corrida para ressuscitar o animal, já que a amostra encontrada tem apenas 45 lacunas em um mapa genético de aproximadamente 3 bilhões de unidades de informação.

Para quando?

Essa é a grande pergunta neste ponto. Pask comenta que o "primeiro ser com aparência de tilacino" poderia nascer em três a cinco anos, mas não o chamariam de "tilacino" diretamente. Ele acredita que poderiam criar o crânio, as patas e até as listras nas costas, mas há ainda muito o que eles não sabem fazer.

O objetivo, seja de que forma for, é criar um tilacino real, e não um animal híbrido. Para isso, eles precisam obter células-tronco de uma espécie viva com DNA similar ao do tigre-da-tasmânia. Um candidato a essa tarefa seria o rato de cauda gorda, um marsupial muito menor, mas que poderia representar uma primeira aproximação de um exemplar semelhante ao tilacino.

Ceticismo

Do lado menos entusiasta, há quem encara todo esse projeto com desconfiança. Euan Ritchie, professor de ecologia e conservação da vida selvagem na Universidade Deakin, embora veja o programa com bons olhos por seu potencial de ajudar espécies ameaçadas, tem suas dúvidas sobre o projeto de Pask.

"Acho que, provavelmente, teremos um animal parecido com o tigre-da-tasmânia, mas não será realmente um tigre-da-tasmânia. A questão é o que será feito depois. Por exemplo, como ele se comportará na natureza e qual será o impacto no ecossistema. Não temos ideia do que acontecerá, porque não há tigres-da-tasmânia vivos e ele não terá outros animais semelhantes para aprender" — comenta Ritchie.

Ele considera que esse é um desafio tão grande quanto o próprio desafio genético. Além disso, questiona o motivo de tanto financiamento para reviver espécies extintas, enquanto milhares de espécies estão à beira da extinção. No fim, trata-se de um esforço principalmente privado, e tudo indica que tanto a Colossal quanto a Universidade de Melbourne continuarão seus esforços para ressuscitar o tigre-da-tasmânia… ou algo semelhante.

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