Relato original de Javier Jiménez no Xataka Espanha
Assim como supostamente escreveu Hermes Trismegisto no livro Caibalion, tudo na criação tem seu ritmo e esse ritmo, se o seguimos, sempre nos leva de volta ao começo. Nos leva ao mundo como vontade e representação, a Assim Falou Zaratustra, ao teorema da recorrência de Poincaré... e, claro, à discussão sobre se a tecnologia está nos deixando com o cérebro fritando.
Ou, melhor dizendo, o que, como e por que está afetando nossa capacidade cognitiva.
O fato de que algo está mudando ninguém discute. E como discutir isso? Claro que algo está mudando. E não apenas funcionalmente, as mudanças são estruturais e em todos os níveis. A simples presença de telas alterou substancialmente nosso córtex somatossensorial; ou seja, mudaram a forma como tocamos o mundo. E isso não é pouca coisa.
Mas a situação vai além: como afirma há anos Manuel Sebastián, pesquisador da Unidade de Cartografia Cerebral da Universidade Complutense, "sabemos que o texto que inclui links (hipertexto) parece ser lembrado pior em geral, o que é totalmente lógico porque constituem distrações e o papel da atenção é crítico na memória".
Isso já sabíamos, mas não sabíamos o que significava. "O fato de que a informação seja processada de forma diferente não é necessariamente ruim", nos contava Sebastián. No fundo, nosso cérebro passa a vida se reorganizando e, historicamente, isso sempre foi uma ótima notícia.
A questão é, portanto, se continuará sendo no futuro.
E há muitos especialistas que acreditam que não. Dados não lhes faltam. Como explica John Burn-Murdoch no Financial Times, embora nos últimos anos tenhamos prestado muita atenção no impacto da pandemia no desenvolvimento cognitivo e emocional dos jovens, cada vez mais especialistas pensam que não estamos vendo isso na perspectiva certa.
Tanto as pontuações da maior parte das provas padronizadas do mundo (como o relatório PISA) quanto algumas pesquisas especializadas indicam que o problema começou a aparecer em meados da década de 2010. E esse problema tem muitas faces: desde a dificuldade de concentração até os problemas para aprender coisas novas.
É um pouco complicado. Porque, na verdade, se olharmos para coisas como o tempo de uso das telas e os problemas cognitivos ou emocionais, descobrimos que não há nada problemático. A explicação tradicional sempre foi que o importante não é que usamos novas tecnologias, o importante é o que fazemos com elas.
E é aí que entra o algoritmo. Porque, como diz Burn-Murdoch, há uma mudança talvez mais fundamental do que os celulares e as redes sociais: "a mudança na nossa relação com a informação".
Passamos de páginas web limitadas a feeds infinitos e constantemente atualizados, com um bombardeio constante de notificações. Já não passamos tanto tempo navegando ativamente pela web nem interagindo com conhecidos; agora nos deparamos com um turbilhão de conteúdo. Isso representa uma transição do comportamento autodirigido para o consumo passivo e a constante alternância de contexto.
E é aí que podem estar os problemas. Infelizmente, ainda há pouca pesquisa sobre isso e, na medida em que todos se lançaram a usar esse tipo de tecnologia e algoritmos, nos encontramos em uma área muito difícil de investigar.
A boa notícia é que, aos poucos, estamos desbravando a questão. A má notícia é que ainda falta muito para sabermos, ao menos, o impacto de tudo isso. E, apesar de tudo, como costumamos ver sempre que é publicado um estudo extenso sobre nossa relação com a tecnologia, não há grandes sinais de alerta.
Seja como for, parece que a plasticidade do cérebro humano encontra uma forma de "voltar para casa", de superar os possíveis obstáculos e se atualizar. Tomara que, em breve, a gente descubra como eliminar esses obstáculos.
Imagem | Luis Villasmil | Ben White
Este texto foi traduzido/adaptado do site Xataka Espanha.
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