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Dois cientistas obcecados por vermes descobriram o mecanismo que regula a evolução; e ganharam o Prêmio Nobel por isso

A evolução não poderia ser tão diversa e estável sem o milagroso mecanismo que acaba de ser premiado

Imagem: Fundação Nobel
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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

Há pouco mais de 50 anos, um sujeito chamado Sydney Brenner apresentou ao mundo um verme nematóide chamado Caenorhabditis elegans. Brenner ganhou o Prêmio Nobel em 2002 "por suas descobertas na regulação genética do desenvolvimento de órgãos e da morte celular programada" — mas o verme, em retrospectiva, talvez tenha sido mais importante.

O C. elegans era transparente, tinha todos os tipos de células especializadas, era facilmente manipulável e se reproduzia rapidamente. Era o sonho de todos que trabalhavam em genética e, por isso, não é surpreendente que dois estudantes de pós-doutorado, em dois continentes diferentes, ficassem obcecados por ele.

História de uma obsessão

Ambros, 2008 Ambros, 2008

Victor Ambros e Gary Ruvkun se conheceram no laboratório de Robert Horvitz (outro dos Nobel de 2002) no início da década de 80, trabalhando em um problema que os deixava intrigados há anos: por que alguns desses vermes “mutantes” adquiriam estruturas, formas e soluções tão estranhas?

Durante anos, seu trabalho se concentrou em clonar (e manipular) vários tipos de nematoides mutantes. Mas não havia como. O problema se mostrava desafiador e eles eram incapazes de encontrar a solução. Na verdade, as bolsas de pós-doutorado de ambos chegaram ao fim sem que conseguissem resolver a questão, e cada um seguiu seu caminho profissional por conta própria.

Ambros acabou na Universidade de Harvard e Ruvkun no Hospital Geral de Massachusetts. Eles estavam próximos, mas não parecia: cada um continuou trabalhando por conta própria em um problema que todos pensavam ser impossível de resolver. Ambros descobriu que havia pequenos pedaços de RNA, mas não sabia para que serviam. Ruvkun, por sua vez, identificou o momento em que os genes eram ativados, mas não compreendia o que podia ativá-los ou bloqueá-los.

No dia 11 de junho de 1992, quase uma década depois de começarem a colaborar, eles se reencontraram e, ao longo daquela tarde, compartilharam os avanços que cada um havia feito. Foi aí que a mágica aconteceu.

A grande (des)ordem da vida

Mas, para entender bem o que descobriram, é importante revisar o problema em que estavam trabalhando. O DNA é uma espécie de manual de instruções que contém todas as células e processos do nosso corpo. O interessante é que cada uma das células contém esse mesmo manual de instruções, mas cada célula presta atenção apenas a uma parte dele. O que garante que apenas o conjunto correto de genes esteja ativo em cada tipo de célula?

Essa era a pergunta essencial (e extremamente difícil) que Ambros e Ruvkun tentavam responder.

Principalmente porque um dos elementos-chave desses mecanismos de regulação genética é muito menor do que poderíamos imaginar. Desde os anos 60, conhecíamos algumas proteínas especializadas na regulação, mas, na década de 80, já sabíamos que essas proteínas não eram suficientes.

A descoberta do microRNA

Ambros tinha uma peça e Ruvkun uma lacuna: juntos, descobriram que havia todo um nível de regulação desconhecido

Ambros tinha uma peça e Ruvkun uma lacuna: juntos, descobriram que havia todo um nível de regulação desconhecido. Um nível que, anos depois, teria uma importância enorme. Mas, como de costume, ninguém lhes deu muita atenção.

E não porque não fosse interessante, mas porque a maioria dos especialistas considerou que o mecanismo era provavelmente uma raridade do C. elegans. O laboratório de Ruvkun levou quase outra década para encontrar outro caso de microRNA — só que, dessa vez, foi em um gene muito comum em todos os seres vivos.

Foi aí que a situação explodiu: dezenas de laboratórios começaram a trabalhar nesse tema e, nos últimos anos, aprendemos que "a regulação anormal por microRNA pode contribuir ao câncer, e foram encontradas mutações em genes que codificam microRNA em humanos, causando condições como perda de audição congênita e distúrbios oculares e esqueléticos".

Hoje, muitos dos grandes avanços terapêuticos dependem do trabalho deles. E, em outubro de 2024, eles ganharam o Prêmio Nobel de Fisiologia e Medicina.

Texto traduzido e adaptado do site Xataka Espanha

Imagem | Nobel Foundation

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