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Em meio a colapso da taxa de natalidade, China toma decisão radical e suspende adoções estrangeiras

Após mais de três décadas e 160 mil crianças adotadas por famílias estrangeiras, China decide mudar sua política

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Victor Bianchin

Redator

Victor Bianchin é jornalista.

As coisas estão mudando na China – o país decidiu proibir que famílias estrangeiras adotem crianças chinesas. A única exceção se aplicará a alguns parentes. Com o anúncio, o Governo de Xi Jiping encerra um programa histórico, do qual participaram dezenas de milhares de famílias de diversos países. Programa esse que estava intimamente ligado à política do filho único, abandonada em 2015, mas que, na prática, já estava inativo desde a pandemia.

Uma decisão, muitas perguntas

O responsável por anunciar a medida foi Mao Ning, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores: a China não permitirá mais adoções internacionais de seus filhos. Apenas uma exceção é prevista, aplicável a estrangeiros que queiram adotar enteados ou filhos de parentes consanguíneos. Pelo menos por enquanto, o Governo não forneceu muito mais detalhes, nem explicou as razões que o levaram a tomar a decisão. Também não especificou o mais importante: como a medida será executada e se afetará as adoções que estão em processo atualmente.

O Guardian assegura que Pequim se limitou a esclarecer que “não continuará a processar casos em nenhuma fase”, exceto aqueles em que já foram emitidos ofícios. “Sabemos que há centenas de famílias que ainda não concluíram as suas adoções e nos solidarizamos com a sua situação”, reconheceu o Departamento de Estado dos EUA. A China teria informado que concluiu o processamento dos casos que já tinham autorizações de viagem emitidas, mas o The New York Times conversou com as famílias atingidas e elas dizem que não sabem como a medida as afetará.

Qual é o motivo?

Mao Ning não entrou em detalhes. Limitou-se a transmitir a “gratidão” da China aos governos e famílias estrangeiras pelo “amor e bondade que demonstraram” e afirmou que a decisão agora adotada por Pequim está alinhada à filosofia das convenções internacionais. A suspensão das adoções estrangeiras surge, no entanto, num momento particularmente delicado para o país, tanto internamente como externamente.

O fluxo de adoções internacionais está em grande parte suspenso desde a pandemia de covid-19. Em paralelo, as relações diplomáticas entre Pequim e o Ocidente não atravessam o seu melhor momento e, para completar, após anos de crescimento, o gigante asiático enfrenta um cenário demográfico complexo: em 2023 o país perdeu população pelo segundo ano consecutivo, com dados que refletem também uma queda acentuada nas taxas de natalidade e uma aceleração na perda de população.

Uma realidade em números

Como sempre, os números ajudam a compreender melhor os fatos. Desde que deu luz verde à adoção por estrangeiros em 1992, a China concretizou dezenas de milhares de adoções internacionais. O New York Times fala de pouco mais de 160 mil crianças desde o início dos anos 90, o que tornou a China, pelo menos até antes da crise sanitária, um dos principais países com esse tipo de procedimento.

Só entre 2004 e 2022, foram registados mais de 89 mil casos de crianças chinesas que foram parar em duas dezenas de países diferentes, segundo dados recolhidos por Peter Selman, professor da Universidade de Newcastle. Entre as nações anfitriãs, os EUA se destacam: suas famílias adotaram mais de 82.600 crianças da China. O pico foi alcançado em 2005, com quase 8 mil.

Ao longo dos últimos anos, à medida que a taxa de natalidade diminuiu e o país reforçou o seu sistema de proteção a pessoas com deficiência, o fluxo global de adoções abrandou na China. O New York Times estima, citando dados das próprias autoridades chinesas, que, em 2018, havia cerca de 15 mil crianças registradas para adoção. Longe, muito longe, das 44 mil de 2009.

A política do filho único

Na tentativa de explicar a última decisão de Pequim, há analistas que já olham para outra medida, tão ou mais crucial: a do relaxamento da política do filho único. Ambos estão intimamente ligados. Pequim adotou a diretriz no final da década de 1970, devido às preocupações geradas pelo seu crescimento demográfico, aumento esse que a aproximou da barreira dos mil milhões de habitantes e gerou receio sobre o seu possível impacto económico.

Na década de 1990, Pequim foi mais longe e endureceu as regras – antes disso, pais com mais de um filho poderiam fazer acordos com parentes ou outras famílias para “contornar” a restrição. Esse enrijecimento das regras levou a uma maior atividade nos orfanatos, recorda o Wall Street Journal.

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Mudança de cenário

A situação é muito diferente hoje. Em 2023, a China perdeu quase 2,1 milhões de habitantes e registrou 9,02 milhões de nascimentos, o valor mais baixo desde o início dos registros. O balanço de 2023 também é negativo porque mostra uma aceleração do mergulho demográfico: entre 2022 e 2023, o país já tinha perdido habitantes (pela primeira vez desde a década de 1960), mas em menor proporção.

As tabelas do Statista também refletem uma diminuição pronunciada no número de órfãos no país: de 570 mil em 2012 para 158 mil em 2022. O novo cenário demográfico levou as autoridades chinesas a repensar, há anos, a política do filho único. Além disso, em 2021 o governo de Xi Jinping anunciou que permitiria que cada casal do país tivesse até três filhos.

A sombra da pandemia

Há outro fator crucial. Durante a pandemia, a China suspendeu as suas adoções internacionais. O país acabou retomando os procedimentos para os casos em que a autorização de viagem havia sido emitida antes de 2020, mas, depois da crise, o fluxo de adoções foi, em grande parte, suspenso. O WSJ estima que, no ano passado, apenas 16 crianças chinesas foram acolhidas nos EUA.

Para referência, o Departamento de Estado dos EUA revelou que, entre outubro de 2022 e setembro de 2023, um consulado americano emitiu apenas 16 vistos para adoções provenientes da China, as primeiras em vários anos. O sistema também não esteve isento de polêmicas, como a que surgiu anos atrás, quando foi noticiada a existência de uma rede que vendia bebês a seis orfanatos na província de Hunan. Em 2007, a China reforçou as suas regras. Na Europa, a Noruega, a Dinamarca e os Países Baixos recuaram na adoção de crianças estrangeiras.

"O fim de uma era" – a expressão é de Wang Feng, professor de sociologia da Universidade da Califórnia em Irvine, que garantiu ao The New York Times que a decisão de Pequim tem um significado fundamental. “De certa forma, é o fim de uma era e o encerramento de um dos capítulos mais vergonhosos das três décadas e meia de engenharia social conhecida como política do filho único”, reflete o especialista. “O governo chinês criou o problema e depois não conseguiu lidar com as restrições financeiras, permitindo a adoção estrangeira como último recurso", explica ele.

Imagens | TE3JMAN (Flickr), Our World in Data

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